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IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DO BRASIL

Sobre o Autor

DARIO BAROLIN é Pastor da Igreja Evangélica Valdense de Río de la Plata, e Secretário Executivo da AIPRAL – Aliança das Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina.

Fonte: AIPRAL

Fazer economia é fazer teologia

De 1 a 3 de dezembro de 2021, foi apresentada na Universidade Reformada de Barranquilla, na Colômbia, a campanha pelo Projeto de Justiça e Reparação Tributária #ZAQUEO, alicerçada na visão de uma Nova Arquitetura Financeira e Econômica Internacional (NIFEA).

A campanha busca promover e gerar uma mudança de paradigma nos sistemas fiscais e econômicos regionais e globais que agem como a figura de Zaqueu no Novo Testamento (Lucas 19: 1-10). 

O Projeto #ZAQUEO é um esforço conjunto das seguintes organizações 

O Projeto #ZAQUEO defende, como forma de trazer a equidade e a reparação da exploração e da injustiça:

  • Redistribuir recursos para as comunidades empobrecidas, como forma de alcançar a transformação social e pública;
  • A promulgação de impostos progressivos sobre a riqueza nos níveis global e nacional para conter a crescente concentração da riqueza nas mãos de uns poucos cada vez mais poderosos, junto com o aumento do investimento público para erradicar a pobreza;
  • A cessação da evasão e evasão fiscal por parte de empresas multinacionais e indivíduos ricos. Pedido urgente de impostos progressivos sobre o carbono e a poluição em diferentes níveis para proteger nosso único lar planetário; 
  • A implementação imediata de um imposto sobre transações financeiras sobre a negociação de ações, títulos, moedas e derivados para conter atividades especulativas prejudiciais.
 

O lançamento para a América Latina e o Caribe foi organizado pela AIPRAL em conjunto com o CMIR e a Universidade Reformada de Barranquilla, da Colômbia. 

Foi um encontro de lideranças e referentes das igrejas e espaços acadêmicos da região, juntamente com palestrantes do mais alto nível, que compartilharam suas visões críticas sobre os sistemas fiscais e tributários dos países latino-americanos, bem como as perspectivas teológicas que reivindicam o papel ativo da fé na promoção de sistemas econômicos nacionais e globais mais justos.

PRIMEIRO DIA

A abertura foi conduzida pelo Rev. Philip Peacock, Diretor de Justiça e Testemunha do CMIR, que apresentou o projeto #ZAQUEO por meio de uma breve explanação sobre a situação atual do processo colonialista que sustentou o sistema financeiro global. 

As empresas contemporâneas têm a sua origem naquele processo de escravidão que resultou em tantas mortes e sofrimentos para a população africana, e outras regiões que sofreram atropelamento em suas culturas econômicas a fim de promover a exploração de matérias-primas para as metrópoles. 

Retomando o texto de Lucas 19, ele apontou a interpretação tradicional que temos feito em nossas igrejas sobre o caráter de Zaqueu através da releitura da expressão do caráter bíblico: “o que dou”, de maneira presente, e não ” o que eu vou dar “. Esta noção deve constituir a base para que nossas comunidades busquem, entre outras coisas, a reparação das citadas injustiças históricas. Entre as iniciativas existentes, ele insiste na necessidade de arrecadar impostos sobre as transações financeiras globais.

A Profª. Kellen Rocha de Souza, do Brasil, apresentou os conceitos que devem compor um sistema tributário ideal: integridade, progressividade e neutralidade. Introduziu elementos para calcular a carga tributária e compará-la no Brasil com outros países do continente e da OCDE. Ele apresentou o índice de Gini, usado para identificar a desigualdade de renda.

Lucy Hackett, em conexão com os Estados Unidos, fez uma apresentação sobre o sistema tributário mexicano, com carga tributária menor que a de outros países latino-americanos, mas com a mesma desvantagem da má distribuição, por se basear em impostos que afetam o consumo de bens e serviços, afetando a base da sociedade. Hackett apontou as dificuldades da baixa carga tributária, bem como as dificuldades em aumentar essa carga. Ela indicou também os problemas culturais do México para implementar uma carga tributária geradora de recursos que se convertem em políticas sociais e de ajuda às populações marginalizadas. Uma limitação cultural aparece na expressão: “Eu não pago meus impostos porque o governo rouba” , apontando para o consumo individualista, esses discursos mostram um enfraquecimento da legitimidade e da ineficácia do sistema de controle tributário mexicano. Apesar de o tesouro mexicano ser ainda mais tecnologicamente avançado do que o dos Estados Unidos, há liberdade de ação quando se trata de quem está sujeito a seu controle e de quem é ignorado.

Paola Palacios também apresentou a situação no México por meio das premissas e propostas do Plano Nacional de Desenvolvimento e da Unidade de Inteligência Financeira.

À tarde acompanho o sociólogo uruguaio Juan Geymonatque falou sobre a estrutura da desigualdade no caso de seu país. Ele dinamizou a exposição por meio de um gráfico evolutivo de 1801 até os dias atuais, que mostra como os países que inicialmente eram próximos em termos de crescimento econômico e distribuição de riquezas, foram se distanciando, alguns de forma extrema. Ele mostrou como o processo de crescimento econômico não é necessariamente gerador de riqueza para todos, mas sim que as evidências históricas apontam para a concentração em poucos atores da sociedade. Essa desigualdade está baseada nas políticas salariais, de renda e de renda de capital, o que enfatiza a necessidade de estudar as estruturas de propriedade e concentração em nossos países. No Uruguai não é tão diferente de outros países:

Para encerrar o dia, houve a apresentação de Bruno Reikdal, do Brasil, por meio do papel da teologia na crítica da economia: o palestrante destacou que os teólogos têm um duplo desafio, repensar a teologia em seu próprio campo e com sua natureza crítica, revela o que se esconde na pretensão da neutralidade da ciência econômica, na análise dos processos e fenômenos da economia.

SEGUNDO DIA

O segundo dia começou como planejado com um momento devocional proposto pelo Rev. Gerardo Oberman, da Red Crearte. Humberto Shikiya, da equipe coordenadora do evento, destacou em virtude de uma das canções compartilhadas, que o verbo “esperança” não está associado a esperar, mas justamente ao que a canção transmite: “trabalhar juntos por outra realidade”.

Isso está vinculado à necessidade de trabalhar a partir da realidade do que é o sistema financeiro global, da tributação que ocorre em nível internacional e do vínculo que tem com as economias de nossos países.

A primeira apresentação, ao vivo do Brasil, foi da Drª. Profª. María Lucia Fattorelli, que, como economista, apresentou a visão sobre os mecanismos geradores de desigualdades na América Latina, evidenciando o funcionamento de um sistema perverso instrumentalizado a nível internacional para favorecer uma maior concentração e acumulação de riquezas através dos mecanismos monetários.

Nesse esquema, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), em conjunto com outras organizações da arquitetura financeira internacional, originadas nos acordos de Bretton Woods, são relevantes. Mas o BIS é posterior e é um órgão que concentra a articulação dos bancos centrais e é esse mecanismo onde o que efetivamente faz é garantir oa securitização dos movimentos monetários, ou seja, a “securitização” que torna efetiva a possibilidade de que qualquer fundo criado por meio dos sistemas fiscais dos países garanta o pagamento dos serviços da dívida. a Drª. Fattorelli exemplificada pelo caso do Brasil e as consequências do endividamento e pagamento dos juros gerados em tão pouco tempo. O mecanismo do BIS foi fortalecido após a crise financeira de 2008 para apoiar justamente o sistema financeiro internacional que gera esse tipo de situação com dívidas soberanas. Isso exige um olhar atento aos agentes financeiros que acabam sendo em nossos países os bancos centrais, que funcionam como fiadores do mecanismo que sustenta, nas palavras do médico: “um sistema corrupto e não transparente (de sistemas de dívida a nível internacional)”.

É uma batalha muito dura para reduzir o poder que os bancos centrais têm sobre esses mecanismos, por isso é necessário continuar apostando nas investigações sobre dívidas soberanas, como as realizadas pela Drª. Fattorelli. Portanto, temos uma arquitetura financeira internacional ligada por meio de seus mecanismos à geração desse tipo de desigualdade por meio do sistema de dívida internacional. Este sistema está ligado em nossos contextos nacionais à injustiça tributária, onde enormes somas de dinheiro da carga tributária se destinam ao pagamento de dívidas ou serviços da dívida e não a outras obrigações dos Estados como fiadores da previdência social e da seguridade social. sua população.

Além disso, a situação na América Latina do que gera a fuga de capitais foi abordada por meio de mecanismos como o carry trail, também conhecido como a bicicleta financeira: “a colocação de moedas estrangeiras nos mercados nacionais com altas taxas de juros, para serem recompradas imediatamente e direcionados a grandes capitais no exterior”, muitas vezes com a cumplicidade de agências governamentais e bancos centrais.

Em seguida, a apresentação de Londres do economista Matti Kohonen, membro da Transparency International, exemplificou sobre as apostas na incidência da justiça tributária em nível internacional. Nos últimos 20 anos, desde a criação da referida agência, tanto internacional como regionalmente, tem aumentado suas atividades e o número de organizações, inclusive ecumênicas e eclesiais, que participam de suas ações. Em particular, Kohonen apresentou as iniciativas das igrejas por justiça tributária na Grã-Bretanha, um grupo de igrejas cristãs que também fazem parte deste apelo por justiça tributária: como agir a partir das redes e advogar junto aos tomadores de decisão, tanto de Estado e instituições pertencentes ao sistema financeiro.

A esperança está na possibilidade concreta de unir forças em torno de modificar precisamente, transformar esse sistema, os sistemas regressivos que temos em nossos países em matéria tributária.

Por fim, o Prof. Daniel Libreros da Colômbia, enfatizou sobre as desigualdades causadas pelo sistema tributário colombiano e o que aconteceu a partir das mobilizações sociais e sua caracterização. A Greve Nacional decretada em abril de 2021 na Colômbia foi motivada pela modificação do sistema tributário que afetou grande parte da população. E isso é o que então provoca as marchas e mobilizações de rua de um ator que não está necessariamente organizado, mas que reage ao que considera injusto como medida: e é o mesmo fenômeno no Chile há 2 anos com os jovens com o ascensão de um serviço público. 

São fortes indicadores de um mal-estar da sociedade que exige também a necessidade de tornar visíveis os modelos econômicos e tributários que há anos vêm gerando esse tipo de desigualdade. E isso está ligado a uma série de áreas que tem a ver, como dívidas públicas e externas, com a concepção de um modelo neoliberal e de um sistema capitalista que claramente causa desigualdades, que nos últimos anos tem gerado muita concentração econômica e financeira. em termos do que é o sistema bancário e a arquitetura financeira internacional.

 

TERCEIRO DIA

O último dia de trabalho contou com a intervenção ao vivo de Bogotá, de Humberto Ortiz, que pela manhã apresentou o marco conceitual da economia de Francisco. É difícil definir, nas palavras do expositor, em que consiste. Ele lembra que, nas palavras do Papa Francisco, o que se faz não é definir, mas questionar o que está acontecendo com a economia neste momento, onde é necessário modificar a ordem estabelecida: “A economia tem que ser ecológica, a economia tem que ser circular, o planeta deve estar em jogo. A visão ecumênica é necessária para repensar a economia”.

A defesa do trabalho é parte fundamental desta proposta. É preciso encontrar formas de articulação das economias solidárias e populares, que costumam ficar relegadas à análise econômica e são chamadas erroneamente de “informais”, quando constituem o cotidiano da maior parte do mundo do trabalho em nosso continente.

Após a intervenção de Ortiz, o último dia do evento foi voltado para o trabalho em equipe, sustentado nos dias anteriores. As lideranças e referentes das igrejas e organizações presentes focaram em desenvolver um roteiro com objetivos e ações concretas para implementar o Projeto #ZAQUEO na região, na busca de gerar uma plataforma de advocacy de inspiração ecumênica mas que abrace o maior número possível de atores , enfatizando as particularidades locais e regionais dos efeitos negativos que devemos reverter de um sistema econômico e financeiro injusto que continua a se sustentar nas costas de nossas sociedades.