Uriel Heckert é uma das referências no Brasil quando se fala em problemas como a depressão. Médico formado pela Universidade de Juiz de Fora (UFJF), especialista em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Filosofia pela UFJF, doutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), ele é professor aposentado de Psiquiatria e de Antropologia Médica na Faculdade de Medicina da UFJF.
À sólida base acadêmica, ele une uma experiente vida ministerial e espiritual como membro fundador e ex-presidente do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) e presbítero em disponibilidade da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Também a uma sólida base familiar, pois é casado com Sonia, pai do Cristiano e avô da Amanda.
À Vida & Caminho ele usou toda essa bagagem e experiência para falar sobre questões que ainda hoje são tabu nas igrejas, como depressão e suicídio.
———————————————————–
Vida&Caminho – Muitas pessoas ainda pensam que um cristão não pode ter depressão e que esse problema afeta somente aqueles que estão longe de Deus. O que o senhor diz para quem pensa assim?
Uriel Heckert – Há experiências humanas tão penosas e desconcertantes que nós procuramos negá-las; ou gostaríamos de nos considerar protegidos contra elas. A depressão emocional é uma dessas situações. A cultura atual reifica o mito do super-homem e essa mentalidade triunfalista contamina até muitos cristãos.
É preciso muita coragem e fé para admitir aquilo que o Espírito Santo sussurrou ao apóstolo Paulo: “O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9).
Vida&Caminho – Existem grandes diferenças entre pessoas que são por demais ansiosas ou têm problemas emocionais, pessoas que são depressivas e aquelas mergulhadas em depressão ou que são potenciais suicidas. Como separar as coisas e diferenciá-las?
Heckert – As diferenças, no geral, não são assim tão nítidas. O sofrimento psíquico costuma ser confluente, ensejando o que se chamam “comorbidades”. Os quadros de depressão frequentemente são acompanhados de sintomas ansiosos intensos, e vice-versa. Assim são constituídas situações clínicas complexas e de maior gravidade. Cabe aos profissionais da área, especialmente aos psicólogos e psiquiatras, distinguirem as nuances apresentadas por cada paciente e oferecerem as melhores alternativas de tratamento.
Vida&Caminho – No caso de famílias que tenham membros que estejam passando por depressão, a quais sinais elas devem estar atentas para evitar possíveis suicídios?
Heckert – Quem passa por depressão experimenta tristeza profunda, desânimo, desinteresse e falta de prazer nas atividades cotidianas, sensação de cansaço, dificuldade de concentração, irritabilidade, alterações nas funções fisiológicas, no apetite, no sono; e isso de forma persistente, em maior ou menor intensidade. Enfim, nada se apresenta atraente e prazeroso para esta pessoa. A morte, portanto, afigura-se como possível alívio e pode ser buscada em momentos de desespero exacerbado. Ideias pessimistas arraigadas e de culpa, bem como tendência a reagir por impulsos são agravantes nesse sentido.
Vida&Caminho – Como lidar com pessoas que têm comportamento suicida? O que famílias e igrejas podem fazer quando há pessoas assim em seu meio?
Heckert – Famílias e igrejas devem oferecer, idealmente, acolhimento e segurança aos seus membros. “De maneira que, se um membro do corpo sofre, todos sofrem com ele” (1Co 12.26).
Na realidade, entretanto, não existe família nem igreja perfeitas. A convivência entre as pessoas pode favorecer a identificação daqueles que passam por algum sofrimento, começando pela orientação bíblica: “Está alguém entre vocês sofrendo? Faça oração” (Tg 5.13).
Nessa mesma disposição, cabe colocar-se próximo e ouvir a dor do outro com atenção e empatia. Não cabem críticas, acusações, cobranças de ações impossíveis para aquele momento. A assistência pastoral não deve excluir o recurso aos tratamentos que se fizerem necessários.
Vida&Caminho – Um dos públicos que enfrentam mais problemas de transtornos emocionais, depressão e até casos de suicídio são os ministros evangélicos. Que cuidado um pastor ou líder deve ter, e que cuidados as famílias e igrejas precisam ter com eles?
Heckert – Os ministros religiosos são alvo de múltiplas expectativas, muitas vezes sobre-humanas. Eles mesmos tendem a ser exigentes consigo mesmos, tornando-se solitários nas suas dificuldades e angústias.
A figura de um mentor espiritual pode ajudar muito. Grupos de iguais oferecem espaço para troca de experiências e de ressonâncias emocionais.
Os cuidados gerais com a saúde não devem ser esquecidos: vida devocional, alimentação, sono, sexo em harmonia, exercícios físicos regulares, investimento na vida familiar, cultivo de interesses e amizades, um dia de descanso semanal, férias regulares, checkup anual e, se for o caso, tratamentos físicos e psíquicos indicados.
Vida&Caminho – O senhor já lidou com casos de transtornos emocionais, depressão e até comportamento suicida ao longo de sua atuação? Pode falar sobre algum caso de superação e como a pessoa ou família conseguiram vencer?
Heckert – Sim, esse é o meu dia a dia profissional. Felizmente, os recursos que a Psicologia e a Medicina oferecem se mostram úteis em inúmeras situações.
Conheço histórias de vidas que foram transformadas a partir de um tratamento bem-sucedido, lembrando que isso depende muito da disposição e do envolvimento do próprio interessado e do apoio dos seus familiares.
O que não diminui a importância da fé, do aconselhamento cristão, da solidariedade de irmãos e amigos. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, não é mesmo? (Rm 8.28).
Vida&Caminho – Suicídio e depressão são assuntos que ainda são tabus para muita gente. De que forma igrejas e famílias precisam enfrentar essas questões?
Heckert – Abordar essas questões de forma responsável, favorecer informações esclarecedoras, aclarar o papel das igrejas como “comunidades terapêuticas”, cultivar a solidariedade cristã, formar pontes com os segmentos da sociedade que se empenham na ajuda às pessoas. Eis aí uma boa agenda de ação. Nada de sensacionalismo, exposição do sofrimento alheio, sectarismo, triunfalismo ingênuo.
Acompanhe outras notícias
DPO – Responsável pelos dados
Wellington Camargo